quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Elisa Poesia Lucinda








Trabalhando na editoria de cultura do Caderno Brasília, jornal Hoje em Dia, tenho a oportunidade de conhecer pessoas fantásticas. Com elas aprendo que na burocracia de todo o dia, há beleza a ser capturada como fotografias. A atriz e escritora Elisa Lucinda é uma dessas personagens de ficção que parecem saltar de uma tela para te conduzir pela paleta de cores dos versos. Viu? Só de falar sobre ela, me dá vontade de brincar com a palavra escrita.


Por causa de Elisa Lucinda, vi a poesia tomar forma em corpo e música. A poeisa falada transborda emoção... Sentir cada rima, construção frasal, subordinadas "insubordinadas" é percorrer um caminho subversivo ao olhar dos mais eruditos. É ela quem tira meu sono todas noites: Elisa Poesia Lucinda.




Bate-bola com Elisa Lucinda




MJ. A poesia está morrendo entre os jovens? A salvação está na poesia falada?

EL. A fala pode salvar a poesia, mas ela não morrerá nunca! Existe uma fonte natural da poesia, que nasce da paixão. Todo apaixonado é poeta. Como não está previsto que a paixão vai morrer...(risos) Acho que o jeito de falar a poesia precisa alcançar o sotaque na coloquialidade, da conversa. E aí, atingindo isso, ela conseguirá ser mais popular. Não acho que seja para poucos. Ela é para muitos: é pura filosofia de varejo!

MJ. Como é o trabalho da Escola Lucinda de Poesia
EL. Este trabalho tem a Casa Poema. Trabalhamos com pessoas que querem viver mais de perto a poesia. Formamos e capacitamos professores de escolas públicas principalmente, para levarem a poesia às salas de aula. Quem leva a poesia para as crianças? Os pais, dificilmente, um tio veado, quem sabe?! Mas o cara que tá na ponta é o professor. Ele tem que falar poesia com potencial de aventura, romance...Se ele conseguir fazer isso, a criança não vê a hora passar. A literatura é um ingresso barato para o mundo, e portanto temos a poesia falada desse jeito para atingirmos um maior número de leitores e autores.

MJ. Você costuma "prescrever" poemas para seus amigos. Como funciona o pronto-socorro poético?
EL. A idéia nasceu no meu cotidiano, para meus amigos, amores, pessoas que me circundam. Como sei poemas de muitos outros autores, às vezes a pessoa me conta a história da vida dela e eu conto um poema. Logo a pessoa fica curada (risos). É algo da filosofia de varejo. Receito poesia para quem está dodói e quer resgatar a subjetividade. A poesia é uma charada...elas está nas folhinhas do dia-a-dia, nos provérbios...mas editorialmente ela não é considerada um best-seller. E olha que tem gente que vive de poesia como se fosse um oráculo. Não dá para emprestar um livro de poesia, é como um livro sagrado: você vai precisar dele amanhã para "rezar". É assim que vejo a poesia.

MJ. Amor, rotina, injustiças sociais. Como estes e outros assuntos são abordados na sua poesia? E como é seu processo criativo?
EL. Meu processo criativo não tem disciplina. Enquanto converso com você, na minha casa em Itaúnas (ES), vim para a varanda esperar a primeira estrela do crepúsculo. Talvez vire literatura, talvez não. Mas a literatura é um testemunho da minha vivência, das minhas mudanças, medos, amor. Essa é a função do poeta: falar da emoção por todos que não podem traduzir por não terem o repertório poético. Nós, poetas, prestamos um serviço.


Fico interessado? Basta acessar o site http://www.escolalucinda.com.br/ . Se estiver no rio ou em sp, dá para ter umas aulinhas na Casa Poema. Bem que podia ter uma em cada esquina do mundo...

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Brasilificação do Mundo por Jorge Mautner






"O Brasil é um exemplo para o mundo", por Marcel De Brot e Maria Júlia Lledó, editor e repórter do Caderno Brasília, jornal Hoje em Dia, dia 27 de julho de 2008.



O tropicalista Jorge Mautner, escritor e poeta do Kaos, criador do Maracatu Atômico, entre outros grandes sucessos, continua, aos mais de 65 anos, otimista, inventivo, inovador e sobretudo um agitador cultural. No Ministério da Cultura do amigo Gil é um dos responsáveis pela implantação dos Pontos Culturais pelo país afora. Em Brasília, para fazer um show em Noite Cultural do T-Bone, deu uma entrevista exclusiva para o Caderno Brasília, em que diz que «nunca houve um ministro como Gilberto Gil» e que «Lula é um estadista mundial» cujo raciocínio interrompe toda uma «síndrome do sistema nervoso colonizado».





CB - O que restou do universo musical underground nesse mundo globalizado, onde você pode baixar música na internet? O que pensa a respeito dessa nova realidade?

JM - Acho que esse underground agora é overground. O subterrâneo se tornou o que é oficial, então hoje em dia não há mais barreiras entre vários estilos musicais. Um dos exemplos, você vê, é o Obama, candidato à presidência dos EUA, que ganhou muita força com a internet. Multidões anônimas estão em busca da felicidade. Uma coisa mundial. No Brasil, vejo a garotada buscando informações. Acho que é um caminho totalmente novo, onde não existem fronteiras. Mas acredito que essa nova geração já tem os neurônios e o DNA para captar essas informações. Acho que a internet é muito mais positiva que negativa. Em todos lugares você tem isso. Na China, há quatro anos, milhões de mulheres se reuniram para reivindicar que os maridos chineses fizessem jogos de amor antes de transar. São exemplos de direitos humanos brotando em todas as partes. Nas suas letras você fala desse amar o outro, do amor que vence o medo. Como você interpreta esse cenário?O mundo quer se «brasilificar» por causa da nossa capacidade de amar o outro. Isso agora explodiu como consciência no novo sistema nervoso. Aliás, muitos cientistas nas pesquisas com neurônios chegaram à conclusão de que a espécie humana deu um salto do imaginário por causa da emoção. Estamos a beira da reconstrução do novo ser humano através da nanotecnologia. Um dos motivos que inaugurou essa internet foi a astronomia, porque os astrônomos precisavam confirmar resultados de estudos. Foi a primeira vez que romperam as fronteiras dos países. Um processo encabeçado pelas necessidades dos cientistas. Juntava a física, a geologia. Hoje quase tudo é simultâneo. Essa complexidade é de uma riqueza muito grande. Os limites de outrora foram quebrados. Aí vemos outros problemas, antes a liberdade dos anos 60 era proclamada infinita, mas agora que já a concretizamos, a liberdade agora é a consciência do limite. A pessoa precisa desses limites para gozar a liberdade.



CB - E em relação ao direito autoral, às músicas que podem ser baixadas na internet, você é a favor?

JM - Todas as minhas músicas podem ser baixadas. Sou a favor porque é uma exposição total. Também estão discutindo como vai ser com a velocidade da tecnologia. Daqui a pouco você vai ver o artista em holograma. Você vai até sentir o cheiro eletronicamente, interagir. Por isso essa exposição na internet, eu acho ótima. Inclusive a crise das gravadoras para mim é muito benéfica, porque o produto independente pode ter sucesso. E como o artista garantiria seu ganha-pão? Não se pode mais contar com a venda de CDs?Vale também, não vamos eliminar. Mesmo com os piratas, se vende. A superestrela sempre vai ter uma megaprodução por trás. No meu último disco disponibilizei uma música oficialmente, agora eu recebo direito autoral. Desde 1958 estou na estrada, e só fiz dois discos independentes, os outros são da Warner e da Universal. Então eles me mandam os direitos das gravações de Maracatu Atômico. Sou escritor, sou músico, transito por outras áreas. Acho que esse download é positivo. Porque o trabalho circula.



CB - Quem você apontaria como destaques nesse momento da música brasileira? Como você descreve esse cenário musical de hoje?

JM - Viajo muito, recebo muitos discos, e a maioria não consigo ouvir. Cito a Orquestra Imperial, o trabalho do Kassim, do Domenico. De todos os lugares do Brasil algo chama atenção. A música gaúcha já tem toques nordestinos e de blues. Poderia te dizer nomes e nomes de pessoas, não só daqueles que gravaram minhas músicas. Aí vou deixar alguém de fora. Analisando, o cenário é de criatividade total. A garotada já vem com a técnica e facilidade da eletrônica, toda essa cibernética. Eles vêem com a possibilidade concreta de ter o produto ali e poder circular. Antigamente era outro mundo. O Tropicalismo triturou e arrebentou as fronteiras e abriu caminhos. Qual foi a grande herança do Tropicalismo?Então, hoje você não tem mais uma ideologia. A grande herança do Tropicalismo é a ênfase na alegria, no otimismo, na quebra dos preconceitos e na afirmação da imensa cultura do Brasil. Esse amálgama, inclusive de idéias contrárias, da diversidade. Aqui a cultura negra, indígena e branca influenciam uma a outra. Isso tudo se abriu e agora o Brasil é um exemplo para o mundo. Na gestão anterior do Berlusconi, seu secretário de cultura publicou um livro chamado «Medo e Hedonismo». Nele, ele diz que a brasilificação do mundo já começou. Começou pelo futebol, também pelo jeito de acolher a idéia contrária, reinterpretar tudo. Esse jeitinho e a malemolência. Ele faz uma análise do samba de roda, da música caipira. Outro exemplo, o Obama quando foi entrevistado, disse ao jornalista: «Você não vê que eu sou brasileiro?». O jornalista se espantou, ficou meio atrapalhado. Depois disso, há um mês o Itamaraty foi se apresentar a ele e o Obama disse: «Eu sou baiano. Eu sou baiano». Daí o outro candidato, John McCain, disse: «Mentira. O Obama tá mentindo, quem ama o Brasil sou eu. Já fui várias vezes, tive uma namorada brasileira». Quando dois candidatos disputariam a bênção do Brasil?



CB - Você é amigo do Gilberto Gil há muitos anos, mas ele tem sido criticado como ministro da Cultura. Que avaliação você faz do ministro?
JM - Eu acho que nunca houve um ministro da cultura assim. Ele inovou grande parte do prestígio merecido que o Brasil tem no mundo. Isso é obra dele, claro que do presidente Lula, mas muito mais pela ação do Ministério da Cultura. Essa inovação dos Pontos de Cultura, elogiada no mundo todo, é uma coisa inédita, porque eles têm autonomia de verba e estão conectados pela cibernética. Uma experiência totalmente revolucionária. Pelo que eu sei, a repercussão aqui e fora é positiva. Claro, há críticas, falhas. A classe dos artistas reclama que ele poderia fazer mais por ela, mas ele se vê como ministro e não respondendo apenas pela classe. Nós somos um continente, e começamos há 500 anos, então você pode encontrar erros que ainda são menores comparados aos pontos positivos. O que ele fez vai repercutir durante muito tempo.



CB - Sobre a Lei Rouanet, e sua gestão, qual sua opinião sobre a necessidade de mudanças?

JM - Acho que o ministério tem que agilizar a Lei Rouanet, a única coisa boa, além da abertura dos portos, no Governo Collor. A queixa é que os contemplados são os famosos, para quem o patrocínio interessa. Mas isso tudo está em vias de mudanças. A democracia é isso. Prefiro falar em termos abrangentes históricos, do que entrar em detalhes. Fui convidado pelo Gil para ser um agitador cultural, e esse terreno da lei prefiro deixar para pessoas mais capacitadas, embora seja a favor da agilização. E acho que para cultura e educação, o Brasil deveria fazer um fundo para investir R$ 100 bilhões.



CB - E sua avaliação do Lula? Você acha que o Brasil do Lula é melhor que o Brasil de antes?

JM - Acho que o Brasil melhorou, ele foi o aprofundamento emocional, romântico, abrangente do trabalho do Fernando Henrique. Lula inovou em todos os campos, ele é genial. Um estadista mundial que concretizou a nova esquerda democrática. E tropical também, porque num discurso que ele fez há oito meses ele disse: «O Brasil tem que ensinar». Esse raciocínio interrompe toda uma síndrome do sistema nervoso colonizado. Tudo isso foi e está sendo quebrado. A apreciação sobre o presidente é unânime: do New York Times a um jornal chinês. O Brasil é um país querido no mundo todo. Isso tudo é Lula, é o sonho, o vitorioso. Um operário, nascido em Guaranhuns, que morou em São Paulo, e tem o baião, o xaxado, o cordel, tudo dentro dele. Ele ainda se espanta com tudo isso, e diz: «Vocês são diplomados e eu não sou». Isso tudo é o ser novo, a nova ousadia. É, sobretudo, revolucionário. Mas ainda é muito cedo para gente falar sobre isso.



CB - Você já foi candidato em São Paulo, tem pretensões políticas?

JM - Pois é, eu perdi por 300 votos. E eu me sabotei, infelizmente, porque não fiz nenhum comício, mas é melhor não.



CB - O processo criativo de muitos músicos começa no computador. Como é o seu processo para compôr uma música?

JM - O meu é antiquíssimo: por inspiração. Se me dão um tema eu faço. Às vezes a letra e a música surgem juntos. Trabalho com muitos parceiros, acabei de escrever umas canções para o Toni Garrido. Graças a Deus faço muita coisa. Tem mais de 200 músicas só minhas. Gil e Caetano participaram de muitas letras que fiz. O Nelson Jacobina, da música. A imaginação vai por associações, quanto mais associações pertinentes, informações, situações, surge o tema. A arte não tem limite. São processos mentais que tem a ver com a oportunidade. A cultura desde a infância consegue transformar.



CB - Você curte Brasília?

JM - Muito. Brasília é minha paixão. Meu primeiro livro «Deus da Chuva e da Morte», lançado em 62 e logo em seguida, «Kaos com K», em 63, são dedicados a Brasília. No festival «RioPernambuco.com» (primeira semana de julho no Teatro da Caixa), eu chorei com elogios do Mestre Zé Duda. Isso é emocionante. Não tenho palavras.



CB - Quais os próximos projetos?

JM - Muitas músicas, muitos livros. Nesse ano tenho o programa «Amálgama Brasil» (Canal Brasil/Globosat), e vou fazer um documentário com o Pedro Bial. Ele vai me filmar em três shows, e vou contando minha vida. Isso para o segundo semestre. Ainda vou filmar nos pontos de cultura, fazer shows e ainda sou co-autor de uma peça com Fernanda Torres, baseada no conto «Deus é Química», do livro «Tarja Preta». Se Deus quiser, não paro. Tanta movimentação... O problema são os amigos (risos). O cansaço pára, as dores desaparecem e a alegria de estar com o público é muito forte. Acredito no que faço.